A Bíblia Está Cheia de Textos Inconvenientes
A Bíblia é uma coleção vasta e complexa de livros, escritos em contextos culturais, históricos e espirituais muito diferentes dos nossos. Embora seja a fonte da fé cristã, há passagens que geram desconforto tanto para pastores quanto para ouvintes.
Além disso, alguns versículos parecem contradizer outros, enquanto outros desafiam diretamente nossa visão moderna de justiça, amor e relacionamentos.
Portanto, não é surpresa que muitos desses textos sejam simplesmente evitados nos púlpitos .
Mas por quê?
É isso que vamos explorar neste artigo. Vamos analisar três versículos considerados “perigosos” por sua ambiguidade, aparente violência ou dificuldade prática de aplicação.
Assim, entenderemos por que mesmo pastores comprometidos preferem não abordá-los — e quais são os riscos de ignorá-los também.
Seja você líder, estudioso ou apenas alguém interessado em compreender melhor a Palavra de Deus, este artigo vai provocar reflexão e ampliar sua perspectiva.
Vamos lá?
Marcos 16:17-18 – O Texto dos Sinais Sobrenaturais
Vamos começar com um dos versículos mais polêmicos e menos pregados no Novo Testamento:
“E estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos e os curarão.” (Marcos 16:17-18)
Este é um dos versículos mais evitados nos púlpitos por seu teor miraculoso e, para muitos, controverso, porém costuma aparecer em igrejas pentecostais radicais, especialmente na América Latina e África, onde rituais envolvendo serpentes ainda ocorrem. A menção a pegar em serpentes e beber veneno sem ser prejudicado levanta questões difíceis. Alguns grupos interpretam o texto de forma literal, o que levou a práticas perigosas. Já outros argumentam que se trata de uma linguagem simbólica sobre proteção divina e autoridade espiritual. A dificuldade de interpretação segura faz com que muitos pastores prefiram evitar essa passagem, ou simplesmente ignora la.
Por Que É Considerado Perigoso?
Há várias razões pelas quais ele é evitado:
1. Risco Físico
Encorajar fiéis a manusearem serpentes pode resultar em acidentes graves ou até morte. Além disso, isso gera má reputação para a Igreja diante da sociedade secular.
2. Interpretação Literal vs. Simbólica
Alguns estudiosos defendem que esses sinais eram específicos para os primeiros discípulos e tinham propósito missionário imediato. Outros acreditam que a referência às serpentes simboliza poder sobre o mal.
3. Ausência em Outros Evangelhos
Marcos 16:9-20 (onde esse versículo está) não aparece em alguns manuscritos antigos. Muitos críticos bíblicos acreditam que essa parte foi adicionada posteriormente, o que gera dúvidas sobre sua autenticidade.
4. Uso Extremista
Infelizmente, grupos extremistas têm usado este versículo para práticas antiéticas e perigosas, o que faz com que muitos pastores prefiram omiti-lo.
1 Coríntios 14:34-35 – Mulheres em Silêncio?
Outro versículo frequentemente evitado é este:
“As mulheres estejam caladas nas igrejas, porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja.” (1 Coríntios 14:34-35)
Este texto tem sido motivo de embaraço para muitos líderes e é frequentemente evitado em sermões públicos. Em tempos de maior empoderamento feminino e liderança das mulheres na igreja, a leitura literal parece contradizer outras passagens em que mulheres exercem papéis de destaque, como a profetisa Ana ou a diaconisa Febe. A interpretação deste versículo exige um profundo entendimento do contexto histórico e cultural da igreja de Corinto.
Por Que É Considerado Perigoso?
Existem vários motivos pelos quais esse versículo é evitado:
1. Questão Cultural vs. Universal
Muitos estudiosos sugerem que Paulo estava falando de uma situação específica na igreja de Corinto, onde havia desordem litúrgica e falta de instrução bíblica entre algumas mulheres. Portanto, seu mandamento teria caráter local, não universal.
2. Impacto nas Mulheres da Igreja
Ao ser pregado sem cuidado, esse versículo pode ferir mulheres que servem ativamente na obra do Senhor. Isso pode levar à sensação de exclusão ou inferioridade espiritual.
3. Dificuldade de Aplicação Prática
Como interpretar “não falar na igreja”? Isso inclui orações em voz alta? Louvores? Ministração profética? Essas perguntas tornam o texto delicado de aplicar.
4. Pressão Social e Feminismo
No contexto contemporâneo, temas como papéis de gênero na Igreja são altamente sensíveis. Alguns pastores preferem evitar conflitos optando pelo silêncio.
Mateus 7:21-23 – Nem Todo o Que Diz “Senhor, Senhor”
Jesus disse algo impactante:
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? Então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.” (Mateus 7:21-23)
Este texto é inquietante porque coloca em xeque a ideia de que apenas manifestações visíveis de espiritualidade são prova de salvação. Ele confronta a hipocrisia e o engano espiritual, e por isso é muitas vezes evitado em pregações que preferem enfatizar a graça sem tocar na responsabilidade pessoal. Essa passagem convida os ouvintes a uma introspecção sincera sobre suas motivações e a autenticidade de sua fé.
Por Que É Considerado Perigoso?
Esse versículo é evitado por razões profundas:
1. Desafia a Salvação pela Aparência
Muitos cristãos assumem que, se estão envolvidos em ministério, obras sociais ou evangelização, automaticamente pertencem ao Reino. Este versículo coloca isso em xeque.
2. Afeta a Autoconfiança Espiritual
Ele confronta a segurança espiritual de muitos crentes. Se até quem profetiza, expulsa demônios e faz milagres pode ser rejeitado, ninguém está imune ao juízo.
3. Revela a Necessidade da Regeneração Interna
Jesus enfatiza que o problema central não é a atividade externa, mas a relação interna com Ele. Isso demanda uma reflexão séria sobre conversão genuína.
4. Arrisca Ferir a Comunidade
Pastores hesitam em pregar isso por medo de causar ansiedade espiritual ou desespero entre os membros. Preferem transmitir mensagens de esperança e graça.
Por que Alguns Textos São Evitados?
Versículos como esses desafiam a zona de conforto teológica, cultural e litúrgica de muitas igrejas. Eles exigem coragem para serem pregados com profundidade, humildade para reconhecer interpretações limitadas e sabedoria para conduzir o rebanho em verdades muitas vezes duras, mas libertadoras.
Evitar esses versículos pode indicar um temor de controvérsias ou perda de fiéis. No entanto, ignorar partes da Escritura pode comprometer a integridade da mensagem do Evangelho.
Apesar de serem evitados, esses textos são fundamentais para uma compreensão completa da Bíblia. Ignorá-los pode ter consequências negativas:
1. Forma Crentes Superficiais
Quando só pregamos os versículos confortáveis, corremos o risco de formar cristãos que conhecem apenas metade da mensagem bíblica.
2. Permite Distortões
Ao omitir certos textos, deixamos espaço para que grupos radicais os usem sem interpretação bíblica equilibrada.
3. Ignora Lições Profundas
Muitos desses versículos contêm verdades transformadoras. Ao evitá-los, perdemos oportunidades de crescimento espiritual.
4. Enfraquece a Autoridade da Escritura
Se escolhermos os versículos que queremos seguir, corremos o risco de tornar a Bíblia um livro seletivo, moldado pela nossa conveniência.
Como Devemos Tratar Esses Versículos?
Não basta evitá-los ou criticá-los. Precisamos abordá-los com sabedoria, maturidade e respeito. Aqui estão algumas sugestões:
1. Contextualize Historicamente
Sempre que possível, explique o cenário cultural, político e social em que o versículo foi escrito.
2. Use Hermenêutica Equilibrada
Evite interpretações literais excessivas ou forçadas. Use princípios bíblicos para entender melhor o significado original.
3. Conecte com Outras Passagens
Compare com outros textos da Bíblia para apresentar uma visão equilibrada.
4. Traga Reflexão Prática
Mostre como esses versículos podem impactar a vida do cristão hoje, sem cair em extremismos.
Conclusão: Pregar Todo o Conselho de Deus
Não Temos o Direito de Escolher Quais Partes da Bíblia Seguir
A Bíblia não foi feita para ser pregada seletivamente. Como está escrito:
“Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça.” (2 Timóteo 3:16)
Cabe aos pregadores e líderes espirituais o compromisso de ensinar com fidelidade, mesmo os textos mais desafiadores. A verdade não deve ser diluída, mas proclamada com amor, discernimento e coragem.
A Bíblia não é um cardápio. Ela é a Palavra de Deus, e cabe a nós, como crentes, buscar entendê-la em sua totalidade.
Claro, alguns versículos são difíceis. Alguns são incômodos. Outros parecem ultrapassados. Mas ignorá-los não resolve o problema .
Portanto, como cristãos comprometidos com a verdade, devemos enfrentar esses textos com humildade, oração e busca constante pelo Espírito Santo.
E como pastores, líderes e mestres, devemos assumir a responsabilidade de guiar as ovelhas através de todos os campos da Palavra — inclusive os mais rochosos.
Que possamos crescer na graça e no conhecimento da verdade, mesmo quando ela nos desafia.
Como disse o apóstolo Paulo:
“Portanto, andai em Cristo Jesus, o Senhor, como nele fostes ensinados, aperfeiçoando-vos nele.” (Colossenses 2:6)
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